O ex-Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, reconheceu que “há muitas coisas que não estão bem” no país, indicando que o Parlamento moçambicano deve contribuir na busca de soluções para pôr fim à crise pós-eleitoral. Confirma assim a tese de Venâncio Mondlane.
Joaquim Chissano disse à margem da tomada de posse dos 250 deputados: “Penso que há muita coisa a discutir, há muitas coisas que não estão bem no país, todos sabemos disso, então é preciso encontrar formas de encontrar soluções. Todo o debate deve ser à busca de soluções, recriminação, não recriminação são tácticas, mas buscar soluções”.
Dirigentes dos cinco partidos – Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o Partido para o Desenvolvimento Optimista de Moçambique (Podemos), a Nova Democracia (ND), o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder há 50 anos) estiveram novamente reunidos com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em 9 de Janeiro, tendo confirmado a criação de equipas técnicas de trabalho para discutir reformas estatais, incluindo a alteração da lei eleitoral e a Constituição da República.
Em declarações à imprensa, Joaquim Chissano disse que caberá ao Parlamento debater os acordos políticos para a sua transformação em leis na busca da pacificação do país.
“Sempre discutir para encontrar as melhores soluções, melhores leis que possam ser bem executadas por instituições que o mesmo deve contribuir para que sejam criadas instituições credíveis, para que todos estejamos unidos”, disse Chissano.
A Assembleia da República de Moçambique empossa hoje os deputados eleitos à X legislatura, mas dois dos partidos, Renamo e MDM, já anunciaram o boicote à cerimónia, contestando o processo eleitoral, dia em que estão convocados novos protestos no país.
“O partido Renamo entende que esta cerimónia está desprovida de qualquer valor solene e por isso constitui um ultraje social e desrespeito à vontade dos moçambicanos, pelo que não fará parte desta tomada de posse”, afirmou no domingo o porta-voz do até agora maior partido da oposição, Marcial Macome, à margem da reunião da comissão política nacional da Renamo.
Os 250 deputados eleitos à X Legislatura da Assembleia da República – 28 da Renamo, contra 60 actualmente – foram convocados para tomar posse hoje, na sede do Parlamento, em Maputo, numa cerimónia solene a ser dirigida pelo Presidente da República cessante, Filipe Nyusi.
Também os oito deputados eleitos pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) — seis na legislatura que chega agora ao fim – não vão participar na tomada de posse, disse no domingo à Lusa o presidente do partido, Lutero Simango.
Da agenda da convocatória da sessão solene de hoje consta ainda a eleição do presidente da Assembleia da República para a nova legislatura, cargo actualmente ocupado por Esperança Bias.
A Frelimo, no poder e que mantém a maioria no Parlamento, candidatou a ex-ministra Margarida Talapa para aquele cargo. De acordo com informação do secretariado-geral da Assembleia da República, além da ex-ministra do Trabalho e Segurança Social — exonerada de funções na quinta-feira – foram ainda recebidas as candidaturas à segunda figura do Estado moçambicano de Carlos Tembe e Fernando Jone.
Ambos estreiam-se como deputados, pelo Podemos, partido até agora extraparlamentar e que apoiou a candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, passando a ser o maior da oposição, com 43 assentos. Contrariando o pedido de Venâncio Mondlane, a liderança do partido já disse anteriormente que os seus deputados irão tomar posse.
Mondlane regressou a Moçambique na quinta-feira, após dois meses e meio no exterior, alegando questões de segurança, e insiste em não reconhecer os resultados anunciados das eleições gerais de 9 de Outubro, em que a Frelimo elegeu o seu candidato presidencial, Daniel Chapo, manteve a maioria parlamentar, com 171 deputados, contra os atuais 184, e todos os governadores de província, segundo os resultados proclamados em 23 de Dezembro.
O processo em torno das eleições gerais ficou marcado nos últimos dois meses e meio por tensões sociais, manifestações e paralisações contestando os resultados que já provocaram quase 300 mortos e mais de 600 feridos a tiro.
Recorde-se que o ex-Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, criticou no dia 21 de Dezembro de 2016 a bipolarização das conversações de paz em Moçambique, considerando que a solução para o problema político passa por um debate profundo e inclusivo sobre o modelo de governação que o povo quer. Passados nove anos continua a dizer o mesmo…
“O diálogo que temos hoje é de dois partidos, mas a solução devia ser encontrada por todos”, declarou o antigo chefe de Estado moçambicano, à margem de uma cerimónia na residência oficial da Presidência moçambicana, no palácio da Ponta Vermelha, por ocasião do Natal e final do ano.
Para Joaquim Chissano, a bipolarização do processo negocial para o fim da crise política e militar entre o Governo da Frelimo e a Renamo, principal partido de oposição, ameaçava prolongar um problema cuja solução exigia, exige, além do povo, o envolvimento de outros partidos políticos.
“Este processo é muito mais complexo do que se pensa”, referiu Joaquim Chissano, que a ponta a interiorização da cultura democrática entre os moçambicanos como um pressuposto básico para a construção do Estado de Direito.
Além de uma “definição concreta” do modelo que o país precisa, Joaquim Chissano entendia que a descentralização, exigida pela oposição, era um processo que “levará o muito tempo” e, mais do que uma revisão constitucional, é preciso levar a informação sobre a relevância desta mudança às populações.
“Pode haver inclusão sim, mas é preciso que tudo isto seja antes definido, num trabalho sério e profundo por todo país”, afirmou o antigo chefe de Estado, acrescentando que “perde-se muito tempo a discutir quem vai governar aqui ou acolá, enquanto a prioridade devia ser o que os moçambicanos realmente querem”.
Na altura, 2016, Moçambique atravessava uma crise política e militar marcada por confrontos, no centro do país, entre o braço armado do principal partido de oposição e as Forças de Defesa e Segurança, além de denúncias mútuas de raptos e assassínios de dirigentes políticos das duas partes.
A Renamo acusava a Frelimo de ter viciado as eleições de 2014 (há onze anos, note-se), que deram a vitória ao partido no poder desde a independência, e exigia governar em seis províncias onde reivindica vitória no escrutínio.
Na altura as autoridades moçambicanas responsabilizavam a Renamo por várias ataques a alvos civis e emboscadas nas principais estradas do centro do país, onde a circulação está condicionada a escoltas militares obrigatórias.